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Alguns acontecimentos que vemos diariamente parecem oriundos de velhos folhetins rocambolescos e mal escritos em que a veracidade e a autenticidade da trama, urdida ali, é tão inacreditável que até parece desafiar a inteligência de quem se defronta com eles.
O recente debate sobre a queda da exigência do diploma para os jornalistas, acendeu um bate-boca acalorado e apaixonado envolvendo ambas as correntes de pensamento. O pessoal a favor da obrigatoriedade do diploma, defendia sua posição com o argumento “fundamental” de que o profissional diplomado teria uma ética mais apurada e uma responsabilidade mais aguda ao redigir suas matérias e realizar suas reportagens. Os que pensavam diferente disso (eu inclusive) argumentavam que um diploma não é um atestado de competência, de ética e de qualidade para nenhum profissional.
Mesmo com o debate acalorado e as quase infinitas opiniões pró e contra; o consenso era de que a ética é fundamental. Contudo, a realidade teima em expressar-se de forma muito mais contundente e com uma frieza que beira ao inacreditável bem ali; diante de nossos olhos e enquanto falamos. Veja só:
Exercer a medicina sempre foi considerado um dos mais nobres e divinos atributos de uma alma humana. Afinal de contas, um médico é um ser quase divino para a maioria de nós. Ao longo da história humana, médicos arriscaram suas vidas de várias formas apenas pelo nobre motivo de fazer o bem aos seus semelhantes. Seja no atendimento as vítimas de doenças incuráveis e altamente contagiosas; na busca da cura dessas mesmas doenças (muitas vezes testando em si mesmos o medicamento recém descoberto que poderia ser salvador ou letal) ou, até mesmo, nos campos de batalha atendendo aos feridos com total desprendimento e, em vários casos, até de lados opostos do conflito.
A maioria de nós teve um médico como acompanhante quando veio ao mundo em seu nascimento e terá outro quando chegar a hora de deixar este mesmo mundo. Todas as famílias têm uma história relativa a um parente ou a um amigo que foi salvo por um médico abnegado e competente.
Mas, mesmo nesta profissão de abnegados, há os canalhas e os maus. Há o lado cruel e desumano de uma classe que é conhecida, sem exageros, como a “máfia de branco”. Mercenários, canalhas e incompetentes que travestem-se de médicos e procuram disfarçar a sua incompetência ou má formação empregando-se no serviço público, em clínicas particulares e em toda parte. Concursados, empregados ou meramente “cooperados” tratam os seres humanos que caem em suas mãos como pedaços de carne insensíveis, aos quais não se deve respeito e seres animalescos não dotados de alma.
Por mais mal pagos que sejam, por piores condições de trabalho a que estejam submetidos e por mais insatisfeitos que se sintam; uma coisa nenhum profissional deve deixar de ter a todo momento em que exerça o seu trabalho. Mesmo do mais humilde varredor de rua até o mais graduado executivo. Diplomado ou não, o ser humano que está recebendo alguém que sofre deve, antes de mais nada… ser… humano.
E foi justamente disso que o médico plantonista do Hospital Miguel Couto (Bairro do Leblon no Rio de Janeiro) se esqueceu. Do alto de sua desumanidade ele “orientou” uma mulher de 29 anos, com descolamento de placenta (um problema gravíssimo que pode matar o feto em minutos), a se deslocar de ônibus até o Bairro de São Cristóvão (distante vários quilômetros) para ser atendida numa maternidade pública da região. Como estava “muito preocupado” com o estado da paciente, sequer se prestou a dar-lhe o endereço numa folha de papel. Com um toque de humor negro de fazer inveja a Josef Mengele, o imbecil canalha escreveu no braço da mulher o endereço e as linhas de ônibus que deveriam levá-la até a maternidade. Esqueceu-se apenas de escrever o “dane-se” ao fim de suas anotações.
O resultado, obviamente, foi a morte do bebê. Horas depois, ao chegar na maternidade e ser submetida a uma cesariana de emergência, nada mais pode ser feito a não ser livrá-la do cadáver que estava em seu ventre.
O caso provocou revolta nos médicos da maternidade que, mesmo contrariando a “ética” profissional, denunciaram o absurdo. A pobre mãe, pelo procedimento correto, deveria ter sido operada no Miguel Couto de qualquer maneira e posteriormente transferida para a tal maternidade. No entanto, o “médico” que a ignorou deveria estar muito preocupado com algo mais importante como dar uns “pegas” em alguma enfermeira ou deveria estar “de saco cheio” de atender aquela gente pobre e fedida que não pára de incomodar nos plantões dos hospitais públicos. Afinal de contas, para que parir mais um pobre? Para que privar os profissionais diplomados, éticos e competentes como ele de um bom salário, um descanso ou uma “rapidinha” apenas para atender a essa gentalha que se submete a todas as barbaridades e atrocidades possíveis e imagináveis mansamente e calada; exatamente como as vítimas do mais famoso carrasco nazista. Que morram à míngua ou ainda no ventre. É muito melhor.
Infelizmente, sabemos que a máfia de branco se fechará em auxílio de seu membro e jamais retirará o seu direito de continuar negligenciando e matando pacientes inocentes de todos os gêneros, raças e classes sociais. Mesmo que um processo criminal seja movido, o facínora jamais passará um único dia na cadeia e, mesmo que seja penalizado no serviço público; continuará por aí ministrando o descaso, a negligência e a morte para quem quer que lhe tome o tempo ou o incomode em algum momento. Afinal de contas, não foi esse o exato destino do carrasco nazista? Mesmo porque, assim como a desgraça; a negligência e a falta de ética também são democráticas.
Pense nisso.
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