ESN: 16675-080201-838850-87
Hoje eu tive um sonho e, nesse sonho, fui transportado em espírito para um reino fantástico. Distante e diferente de tudo o que eu já tinha visto. Lá vivia um rei amado e muito querido por seu povo. Um rei que distribuía agrados para seus amigos, cargos para seus aliados de ocasião e esmolas para o povo pobre e faminto.
Neste reino, o rei fingia que mudava as coisas fornecendo apenas o básico para que as pessoas mais pobres pudessem ter uma geladeira, um aparelho eletrônico qualquer e acesso a coisas simples que, em outros reinos, eram tão banais que o povo de lá nem se ligava mais na importância delas. Afinal de contas, nesses reinos, as pessoas tinham boa instrução e os reis e demais membros da corte tinham que prestar contas de tudo o que faziam. Por isso mesmo, gastavam o Tesouro real com parcimônia e sempre que algo ruim acontecia o povo os punia severamente. Havia uma boa educação, uma boa assistência médica e, os povos desses reinos, conseguiam trabalhar duro e ter muitas coisas que queriam.
Mas, no reino onde eu estava não. Por trás dos sorrisos e das esmolas que o rei distribuía, estavam sempre seres misteriosos e cheios de maldade em seus corações. Eles representavam as forças malignas e do atraso. Sempre que o bondoso rei ia ter com eles, suas mãos voltavam sujas de uma lama podre e fétida. Aquelas criaturas se esgueiravam pela escuridão do palácio e contaminavam tudo o que tocavam. Sua aparência era repugnante, olhos embaçados e mortiços, nariz pronunciado, uma boca fina e cheia de dentes afiados sempre prontos a abocanhar tudo o que pudessem. Eram tão vorazes que nunca se satisfaziam e viviam como parasitas do rei; influenciando as suas decisões e interferindo a cada passo dele. Mas, de todas as características que distinguiam essas criaturas de todas as outras, a mais marcante, era um enorme acúmulo de pelos que elas possuíam abaixo dos narizes. O que fazia com que elas parecessem ter um enorme bigode.
Com esses pelos, as criaturas farejavam onde estavam as riquezas do reino e se apropriavam delas; distribuindo-as apenas para aqueles que as reverenciavam e as ajudassem a reproduzir. Além disso, as terríveis criaturas bigodudas desejavam sempre mais e mais; pediam novos e constantes sacrifícios para o bondoso rei que, na verdade, já estava possuído até o mais profundo âmago por elas. Sua alma bondosa e gentil há muito se transformara em algo repulsivo e velhaco.
Mas, um dia, alguns corajosos guerreiros descobriram segredos que poderiam destruir as criaturas malignas e libertar o reino e o bondoso rei de sua pérfida influência. O povo se mobilizou. Foi às ruas. Bradou aos quatro cantos do reino que queria ver seu, outrora bondoso rei, livre daquelas criaturas nefastas. Muitos se ergueram para lutar contra aquelas criaturas e seus enormes bigodes insaciáveis. Um dos nobres quase foi deglutido e digerido por uma delas diante dos olhares apavorados do povo. Arautos foram convocados ou se apresentaram de todas as partes do reino. Todos se uniram para eliminar o mal e fazer daquele reino um novo mundo.
Mas, o rei, envaidecido pelos aduladores e cheio de soberba, convocou seu líder na Assembléia dos Lordes para impedir que as criaturas fossem atingidas pela ira do populacho. Afinal, ele dizia, sem elas não posso governar. Sem o poder que me dão, graças a lama poderosa que vertem em minhas mãos, jamais conseguirei mudar o nosso reino. E o séquito de aduladores, em coro, dizia que o rei estava certo.
O líder do rei se achava grande e poderoso. O povo o respeitava e tinha nele a mais profunda confiança. Ele, então, decidiu que mostraria ao rei o quanto estava errado. E que o certo era mudar e governar sem as criaturas perversas e asquerosas que queriam apenas alimentarem-se da riqueza do reino e da saúde e vitalidade de toda a nação.
Quanto chegou à tribuna, o líder preparou-se para falar e revelar tudo o que pensava. Assim, esperava que seus seguidores se unissem ao povo e destruíssem as criaturas de uma vez por todas. Mas, quando abriu sua boca para falar… sua voz embargou. A respiração ficou difícil. Uma dor lancinante tomou conta de seu corpo e, por um momento, ele achou que morreria. O medo gelava suas entranhas e arrepiava sua nuca.
Olhando para o alto da mesa de reuniões, pode ver a enorme criatura que lhe fitava com seus olhos mortiços e o bigode enorme. Seu sangue gelou. E, quando a sua voz finalmente pode ser ouvida, era tímida e sem força. Um fio de voz diante de um mar revolto de lama pútrida. Calou-se e, mais uma vez, e as criaturas escaparam ilesas.
Resolveu então renunciar ao seu posto. Já não podia mais resistir ao asco que sentia e a ver, dia após dia, aquelas criaturas sugando as riquezas do reino e o povo pobre e humilde sorrindo ao receber apenas migalhas que lhe matavam a fome e permitiam a sua subsistência. Tudo porque, se eles morressem, as criaturas também morreriam; Pois era do trabalho desse populacho que elas se alimentavam. Mandou arautos pelo reino para proclamarem a sua saída. Planejava, com esse ato, revelar a todos que algo muito ruim estava acontecendo com o rei e com o reino e provocar a visão do rei para além da cortina dos aduladores que turvavam a sua visão.
Mais uma vez ele subiu à tribuna para falar aos seus seguidores e ao povo que se acotovelava fora do palácio. Mas, ao começar a abrir a boca; sentir as mesmas dores. A mesma fraqueza. Parecia-lhe que via tudo de fora de seu próprio corpo. Sentia-se flutuando e sem controle de seu próprio corpo. Não era mais ele que dominava a própria vontade. O rei e as criaturas o dominaram e o manipulavam à distância. Tomaram para si a sua vontade. Foi então que ele percebeu que era apenas um fantoche.
E foi quando percebeu que adorava essa sensação.
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