Rio de Janeiro – Noventa e dois casais homossexuais oficializaram hoje (9), em uma cerimônia coletiva, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o reconhecimento judicial de união estável. Este foi o terceiro evento do tipo no estado e o segundo ocorrido no TJRJ, em parceria com o Programa Rio Sem Homofobia, do governo fluminense. A celebração ocorreu na véspera do Dia Internacional dos Direitos Humanos, festejado anualmente em 10 de dezembro.
Escolhida como uma das madrinhas simbólicas dos casais, a desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, presidenta da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não tem dúvidas que, com iniciativas desse tipo, a sociedade e o Poder Judiciário resgatam uma dívida antiga para um segmento da população, “alvo de tanto preconceito e discriminação”.De acordo com a desembargadora aposentada, o evento é um exemplo para as pessoas que têm dificuldade de aceitar e reconhecer os direitos dos homossexuais. “Fazer esta solenidade conjunta procura mostrar para o mundo que este é um segmento que existe, que merece respeito e todos os direitos”, disse. “Nós estamos na grande busca do reconhecimento de direitos e da criminalização da homofobia”, completou.
Maria Berenice Dias admitiu, porém, que o reconhecimento da união estável homoafetiva não acabará com o preconceito no Brasil. “Mas é um espaço de visibilidade, de respeito”. Mas ressaltou a importância de o evento ocorrer dentro das instalações do Tribunal de Justiça. “A Justiça abre as suas portas para receber essa população, da qual vem, há uma década, reconhecendo os direitos”.
Geovani Santos, funcionário do Departamento de Trânsito do Rio de Janeiro (Detran), e Rogério Figueira, comerciário, estão juntos há 16 anos. Eles tiveram a união estável reconhecida judicialmente hoje e consideram a iniciativa positiva. “É um passo para a frente, abrindo espaço para as pessoas poderem mostrar o seu sentimento e oficializarem sua união perante a sociedade porque, hoje em dia, ainda não é muito aceita”, disse Santos. “A discriminação é muito grande”, ressaltou Figueira. Ele confia, entretanto, que eventos como om de hoje poderão contribuir para que a discriminação acabe. “Em todo lugar tem discriminação. Agora, acho que acaba”, declarou.
Cristina é cuidadora de idosos e Rosângela, saladeira. Elas vivem juntas há dois anos e decidiram ter a sua união reconhecida. “Foi uma boa iniciativa do TJRJ, para que outros órgãos sigam o exemplo e para não sermos tão discriminados como somos. Começa por aqui, e outros órgãos virão”, disse Cristina. Rosângela acredita que estão sendo dados passos importantes para por fim da discriminação contra gays e lésbicas no Brasil. “A gente espera que o casamento seja também um novo passo que a gente vai ter”.
O superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos e coordenador do Programa Estadual Rio sem Homofobia, Cláudio Nascimento, definiu que o ato, além de dar visibilidade a um direito conquistado, contribui para “quebrar a cortina do silêncio e mostrar que a comunidade LGBT [lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais], mesmo em um contexto de discriminação e preconceito, já vem conquistando alguns direitos que precisam ser celebrados e utilizados”.
Segundo ele, o próximo passo é tentar estimular que o Tribunal de Justiça, por exemplo, possa fazer a habilitação direta para o casamento civil. “Essa é uma grande luta nossa”, destacando que a própria lei de união estável assegura o direito de os casais converterem essas uniões em casamento civil. Em 2013, o Programa Rio sem Homofobia pretende promover um grande ato para comemorar o Dia do Orgulho Gay. “E a gente espera até lá já ter conseguido esse processo de habilitação direta no tribunal, para que a gente faça o primeiro casamento coletivo do Brasil”.
Casais homoafetivos já deram entrada a pedidos de conversão da união estável em casamento. Segundo informou Claudio Nascimento, tramitam atualmente cerca de 300 pedidos de conversões de união estável em casamento civil, distribuídos por várias comarcas do estado. Nos últimos meses, foram feitas dez conversões no município do Rio de Janeiro. “Isso demonstra que a gente está no caminho de muitas possibilidades com relação também à conversão”.
Cláudio Nascimento e seu cônjuge, João Silva, foram o primeiro casal no estado e o terceiro no Brasil a ter convertida a sua união em casamento. “As coisas vão mudando aos poucos. E é preciso que a comunidade gay e lésbica, por meio dos casais homoafetivos, cada vez mais usem um direito conquistado para que, mais à frente, a gente conquiste o casamento civil pleno”, disse.
Na primeira solenidade de reconhecimento da união estável homoafetiva, ocorrida na Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, em junho do ano passado, participaram 43 casais. A segunda cerimônia, no TJRJ, em julho deste ano, foram mais de 50 casais.
Edição: Aécio Amado