O que Dilma não disse, mas poderia falar sobre a crise hídrica

"Minhas amigas e meus amigos,

“Minhas amigas e meus amigos,

Como se sabe, o Brasil vem enfrentando uma das piores estiagens de sua história, especialmente na região Sudeste, a mais rica e populosa do país.

Acompanhamos de perto a evolução dos acontecimentos nos estados e municípios castigados pela seca, sempre respeitando a autonomia federativa que confere a governadores e prefeitos, dependendo da localidade, a gestão dos recursos hídricos.

De nossa parte, monitoramos a situação dos rios federais que atravessam mais de um estado, como é o caso do Paraíba do Sul, que corta os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Apesar de o país dispor de uma Lei Nacional de Recursos Hídricos, da Agência Nacional de Águas, dos Comitês de Bacias Hidrográficas e de outros instrumentos de gestão e governança, este governo entende que é preciso fazer mais. Nesse sentido, a atual crise hídrica representa uma excelente oportunidade para avançarmos ainda mais na direção de um modelo mais inteligente e eficiente de gerenciamento de recursos hídricos.

Decidimos, portanto, tomar as seguintes providências:

– Estou instituindo um Conselho de Notáveis com os mais prestigiados hidrologistas, cientistas e representantes das mais importantes instituições de pesquisa e universidades brasileiras (com pessoas de todos os estados) para que possam instruir o governo sobre como tornar o Brasil não apenas o país com o maior volume de água doce superficial de rio do mundo, mas também o mais eficiente no uso dessa água. Nosso compromisso é o de ampliar este debate com consultas públicas e trabalhar pela implementação das medidas sugeridas ainda este ano.

– Instruí o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, a convocar representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Agência Nacional de Águas (ANA) para que reapresentem as críticas formuladas por essas instituições contra o novo Código Florestal, no que se refere aos riscos que ele representaria às bacias hidrográficas. Em se confirmando que as alterações aprovadas pelo Congresso no texto original dessa lei carecem de estudos devidamente embasados sobre o seu impacto na resiliência dessas bacias, meu compromisso é o de mobilizar todos os esforços possíveis no sentido de reabrir o debate e, se for o caso, defender uma nova mudança na legislação.

– Ordenei ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que apresente no prazo de uma semana propostas de novos estímulos fiscais a produtos e serviços que promovam a drástica redução do consumo de água e energia nos mais diversos setores da economia. É preciso elevar os parâmetros já existentes e apoiar quem já investe em inovação.

– Determinei à ministra da Agricultura Kátia Abreu que realize um amplo levantamento das técnicas mais eficientes no uso de água pelo setor agrícola. Aproximadamente 70% das águas doces em nosso país são usadas nas lavouras, nem sempre com o devido cuidado ou orientação. O Brasil não pode continuar promovendo o uso perdulário de água nas irrigações com a utilização de pivô central, aspersores ou culturas de inundação, para citar apenas alguns exemplos de técnicas que já estão sendo abandonadas em muitos países. Há muito o que se avançar neste setor e pretendo ainda neste governo condicionar a concessão de crédito agrícola à eficiência no consumo de água no campo.

– Encomendei ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, um estudo identificando quais os empreendimentos que mais consomem energia elétrica hoje no país. Nossa intenção é condicionar a liberação de recursos públicos, via Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou outros órgãos de fomento públicos, à apresentação de planos que confirmem a disposição desses setores em serem exemplos de eficiência e inovação.

– Declaro que este governo apoiará ostensivamente a ampla disseminação da água de reúso em todo o território nacional. Instruí o diretor-presidente da ANA, Vicente Andreu, a realizar os esforços necessários para a tão esperada regulamentação técnica da água de reúso, definindo seus parâmetros e características para que não haja mais nenhuma hesitação do mercado em investir nessa direção. Queremos apoiar todas as atividades que utilizem água de reúso em suas rotinas.

– É nosso desejo que todas as companhias públicas ou privadas de água e esgoto no país sejam mais eficientes. Não é possível que registremos em média 37% de perdas de água potável nas redes, desperdiçando preciosos recursos públicos. Para estimular a maior eficiência do setor, pretendemos condicionar a liberação de recursos federais à redução dessas perdas no sistema. Acertaremos caso a caso quais são as metas possíveis e aplicaremos as novas regras de financiamento.

– Este governo deverá encaminhar ao Congresso, logo após a votação para a Presidência da Câmara e do Senado, um projeto de lei determinando a criação de linhas especiais de crédito para todas as construções que sejam comprovadamente eficientes no consumo de água e energia elétrica, e que possuam certificações reconhecidas internacionalmente.

Encerro meu pronunciamento reconhecendo que esta terrível estiagem nos estimula a sermos ainda mais propositivos na Conferência do Clima, que terá lugar em dezembro em Paris. Infelizmente, ao que tudo indica, eventos extremos como esse poderão ser tornar cada vez mais frequentes em função das mudanças climáticas. Mas é meu dever, enquanto Chefe de Estado da maior potência “mega biodiversa” do planeta, preparar o país para qualquer um dos cenários previstos pelos cientistas. Sinto-me pronta para esta missão.

Convoco todos os brasileiros a unirem forças em favor das nossas águas – o bem mais precioso e indispensável à vida, sem o qual nenhuma atividade humana é possível – que a natureza generosamente nos proporcionou e que mantêm o Brasil em condição ainda invejável perante o mundo neste século XXI.

Boa noite.”

OBS: A Presidente Dilma não escreveu esse discurso. Mas neste momento em que a crise hídrica impacta uma população estimada de 46 milhões de brasileiros, qualquer manifestação propositiva da maior autoridade da República seria muito bem-vinda.

 

E o “verde”, como fica?

Izabella TeixeiraNesta entrevista exclusiva, Izabella Teixeira revela em que momento foi chamada para permanecer no Ministério do Meio Ambiente, quais as prioridades acertadas com a presidente Dilma para os próximos quatro anos, suas expectativas em relação aos novos colegas de primeiro escalão – especialmente Kátia Abreu e Aldo Rebelo – e como vem recebendo as críticas dirigidas a ela pelo movimento ambientalista.

Izabella Teixeira me disse que já havia se programado para dar aulas em 2015 na Universidade de Stanford (EUA) como professora visitante. Mas o projeto teve que ser adiado, segundo ela, por uma “convocação” da presidenta Dilma. No último dia 18 de dezembro, logo após a cerimônia de diplomação, Dilma avisou à Izabella que contava com ela à frente do Ministério do Meio Ambiente por mais quatro anos. Pedido feito, malas desfeitas.

Sobre os rumores dando conta de que o senador Jorge Vianna (PT-AC) seria o nome preferido de Dilma até que o irmão dele, o governador reeleito do Acre, Tião Vianna, apareceu na lista de políticos denunciados na Operação Lava-Jato, Izabella foi taxativa. “Em nenhum momento isso foi falado comigo. Ela me convidou para darmos sequência àquilo que iniciamos no primeiro mandato, com algumas novas atribuições, como o enfrentamento da crise hídrica e a aprovação do novo marco de acesso a recursos genéticos”.

Um dos raros quadros técnicos do primeiro escalão do governo, Izabella não representa nenhum partido político e aparece no seleto grupo de mulheres (apenas seis) que figuram na foto oficial do ministério de Dilma neste segundo mandato, dividindo espaço com 33 homens.

E é justamente neste núcleo feminino da Esplanada que a presidenta reuniu duas protagonistas de uma antiga batalha política que vem sendo travada há anos.

Agora, Izabella Teixeira e Kátia Abreu pertencem ao mesmo time. A nova ministra da Agricultura – principal liderança do agronegócio no Brasil – foi uma das principais defensoras do novo Código Florestal (cujo texto final desagradou amplos segmentos do ambientalismo brasileiro). Kátia Abreu também vem apoiando a mudança constitucional que prevê a transferência do Poder Executivo para o Congresso Nacional (onde a bancada ruralista é forte) da responsabilidade por novas demarcações de terras indígenas e Unidades de Conservação. Esses não são os únicos pontos divergentes entre ela e Izabella Teixeira. Guerra à vista? Não necessariamente.

“Eu já conversei com a ministra Kátia Abreu. Estarei na cerimônia de posse dela. Nós nos falamos na cerimônia de posse da presidenta Dilma e combinamos de nos reunir para acertarmos uma agenda de trabalho comum. Kátia Abreu também considera prioridade a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e me disse que deseja modernizar a legislação que rege a recuperação florestal.”

Outro colega de primeiro escalão com quem Izabella Teixeira conversou no dia da posse, foi Aldo Rebelo, da Ciência, Tecnologia e Inovação. Relator do Código Florestal – a quem dedicou aos “agricultores brasileiros” – Aldo foi criticado por ambientalistas e cientistas de apresentar um texto desprovido de embasamento científico e sem o aval de importantes instituições referenciais para o setor, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Agência Nacional de Águas (ANA).

A impopularidade de Aldo Rebelo junto aos ambientalistas alcançou um ponto crítico em 2011 com a publicação de um texto, assinado por ele, intitulado “A trapaça ambiental”. Nele, afirmou que “o chamado movimento ambientalista internacional nada mais é, em sua essência geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo.” Ao comentar o agravamento do efeito estufa, foi taxativo: “Não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza”, opinião que contraria frontalmente a posição histórica do Brasil nas negociações do clima.

O ministro do PC do B acaba de assumir um ministério que vem subsidiando o governo brasileiro com informações estratégicas nas negociações climáticas patrocinadas pela ONU e que buscam a redução imediata das emissões de gases estufa. Negociações em que Izabella é liderança ativa. E agora? Para que lado vamos?

“Aldo Rebelo manifestou interesse em conversar comigo sobre a agenda do clima e os assuntos da biodiversidade. É bom lembrar que foi a própria presidenta Dilma quem destacou o protagonismo do Brasil nas negociações climáticas e que esse é um tema prioritário deste mandato. É uma ação articulada de governo onde estamos todos envolvidos”, ressaltou a ministra do Meio Ambiente.

Ao ser convidada por Dilma para permanecer no cargo, Izabella ouviu da presidenta a lista de prioridades na área ambiental. A posição brasileira na COP 21 – a Conferência do Clima que acontecerá em dezembro deste ano em Paris – é uma delas. A expectativa é a de que o encontro estabeleça novas metas e prazos para que todos os países – exceto aqueles mais pobres – reduzam suas emissões de gases estufa. O Brasil promoverá consultas públicas antes de fechar uma proposta.

Outra prioridade é a implementação do Código Florestal, especialmente a conclusão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que hoje, segundo o governo, alcança 130 milhões de hectares dos 329 milhões de hectares possíveis. Para que os proprietários de terra sejam cobrados em relação ao cumprimento das regras de proteção ambiental, é preciso conhecer a real situação de cada propriedade. Quem também procurou Izabella (na mesma cerimônia de posse de Dilma) para unir forças na conclusão do CAR foi o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias.

Aperfeiçoar o licenciamento ambiental é outra meta para os próximos quatro anos. O assunto incomoda aos ambientalistas, que temem a flexibilização dos atuais protocolos em favor dos interesses econômicos.

Em relação a esse ponto, Izabella lembra que a maioria absoluta dos licenciamentos hoje é oferecida pelos Estados (no caso das obras do PAC, 82% dos licenciamentos são estaduais) e diz que o Ibama se modernizou e virou referência. Segundo ela, o órgão conta hoje com 400 funcionários concursados para cuidar dos licenciamentos federais em uma estrutura mais ágil e informatizada. “Precisamos avançar nessa agenda. Não é possível, por exemplo, encomendar um novo estudo de impacto ambiental a cada dragagem de porto. Pode-se licenciar em blocos, como já se faz nas unidades de exploração de petróleo, sem nenhum prejuízo ambiental”.

Outra questão importante, segundo ela, é “acabar com o desmatamento ilegal em todos os biomas, e não apenas na Amazônia”. Izabella garante que não faltarão recursos para isso, mesmo sabendo que 2015 será um ano de severas restrições orçamentárias para todo o governo. “Não sei de quanto será o corte, mas nunca faltou dinheiro para fiscalização e combate ao desmatamento. Quando assumi o Ministério, o orçamento era de 560 milhões de reais por ano . Hoje é de aproximadamente 1,1 bilhão”.

Izabella lembra que conhece o atual dono do cofre – leia-se, Joaquim Levy, novo todo-poderoso do Ministério da Fazenda – desde que os dois participaram do governo Sérgio Cabral (ele na Secretaria de Fazenda, ela na Secretaria do Ambiente). Vem de lá uma afinidade em relação aos assuntos ambientais, muito por conta da militância da mulher de Levy, Denise, a ambientalista da família, que trabalha no BID e mora em Washington.

Sem ser política profissional – portanto, desamparada dos “apadrinhamentos” que aceleram processos e abrem caminhos nas redes de interesses que orbitam o Poder Central – Izabella Teixeira desenvolveu seus próprios métodos para tentar fugir do ostracismo em pleno exercício do cargo. “O importante é o diálogo, não se isolar e definir pautas comuns entre os ministérios”, diz ela, reconhecendo que é preciso comunicar melhor o dia-a-dia do seu ministério junto à sociedade.

Para Izabella, as fortes críticas dirigidas ao primeiro mandato da presidenta Dilma na área ambiental – principalmente as que partem das próprias organizações ambientalistas – não levariam em consideração um numeroso pacote de realizações que ela enumera, sem disfarçar uma certa indignação. Um dos assuntos mais controversos, por exemplo, é a taxa de desmatamento da Amazônia.  “Registramos as quatro menores taxas de desmatamento da Amazônia. Realizamos mudanças importantes nos mecanismos de fiscalização e controle em parcerias com o Ministério da Ciência e Tecnologia e o INPE”.

Sobre as críticas de que Dilma foi a chefe de Estado que menos criou Unidades de Conservação (UCs) desde os governos militares, Izabella defende as novas diretrizes adotadas pelo governo. “Criar Unidades de Conservação em áreas onde existam conflitos fundiários não adianta. É preciso regularizar a situação primeiro. A propósito, nos últimos quatro anos, nenhum governador da Amazônia criou novas UCs. E ninguém menciona isso. Implementamos planos de manejo em 60 dessas unidades, mais do que foi feito nos oito anos de governo Lula”.

A maioria das medidas citadas na entrevista – não reproduziremos todas neste espaço – não teve visibilidade nem repercussão. O que não quer dizer que não sejam importantes. Na lista de Izabella não aparece, talvez por modéstia, a contribuição efetiva da delegação brasileira (chefiada por ela) para que o mundo alcançasse depois de 18 anos de negociações o Protocolo de Nagoya – o mais importante acordo ambiental internacional desde o Protocolo de Kioto – que versa sobre as regras de uso e proteção da biodiversidade. Também não mencionou a conquista do Prêmio Campeões da Terra, que lhe foi oferecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), na categoria “liderança política”, pelos “esforços bem sucedidos em reverter o desmatamento da Amazônia”.

Leal a Dilma, Izabella sabe que o governo não entende a sustentabilidade como “eixo matricial das políticas públicas”, conforme tem defendido há décadas o colega e amigo jornalista Washington Novaes. Sabe também que boa parte de seus colegas de primeiro escalão – a maioria absoluta, vá lá – ainda vive, pensa e age como se não experimentássemos uma crise ambiental sem precedentes na história da Humanidade. E aí, o que fazer?

A ex-ministra Marina Silva pediu demissão alegando que perderia o pescoço, mas não o juízo.

O ex-ministro Carlos Minc bateu boca em público com mais de um ministro que lhe deixou “verde” de raiva pelo atropelamento das mais básicas cartilhas ambientais.

Izabella vai ficando. Que incomode bastante.

*Foto: Martim Garcia/Divulgação/MMA

 

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