?caiçara genérico?
Outro dia, um de meus filhos, o do meio, me perguntou:
– Pai, o que é ser de fato caiçara?
– Filho, segundo o dicionário, caiçara é uma palavra de origem tupi que refere-se aos habitantes das zonas litorâneas, porém, é muito mais e a melhor definição que já li foi de uma mulher chamada Claudia de Oliveira no blog ubatubense.blogspot.com onde ela conclui sua lindíssima descrição da seguinte forma: ?Assim vivemos com nossas tragédias, fazendo poesia, com um sorriso no rosto e a felicidade na alma, sofrida e aprendiz. Não tomamos mais café com caldo de cana; puxamos o picaré (rede puxada por dois homens beirando a orla) ou consertamos (limpar) o peixe, mas nossas praias têm nomes indígenas, como Itaguá, Itamambuca, Puruba e tantos outros assim como nosso município Ubatuba; já nossos nomes têm variações como Rocha, Santos, Cabral, eu mesma, Claudia que guardo o Gonzaga e só uso Oliveira, sobrenomes portugueses, espanhóis, tupis; raízes tão entrelaçadas que unidas construíram um país, aqui mesmo nas terras de Yperoig (hoje Ubatuba), Hans Staden, Padre José de Anchieta, Ciccillo Matarazzo, ?Confederação dos Tamoios? etc. etc. etc. quem somos? Somos filhos da história de um país que se chama Brasil.? (”Ubatuba, Espaço, Memória e Cultura, dos autores Juan Drouguet e Jorge Otávio Fonseca, editado em 2005)
– Entendeu, meu filho?
– Ainda não, pai. É que fiquei mais confuso, pois algumas pessoas falam que são mais caiçaras do que outros.
– Filho, em qualquer comunidade existem aqueles que se acham mais do que os outros e têm os seus egos inflados, e que olham para os outros como se fossem seres inferiores. A história está cheia destas pessoas e posso enumerar um número delas, inclusive Hitler que queria preservar a raça ariana, eliminando todos os que não tivessem estas características. Com os paulistas, com os mineiros, com os espanhóis, com os americanos, enfim em toda parte do mundo há os que se acham seres superiores e donos de toda a verdade, porém, embora digam que amam a terra onde nasceram, pegam sua herança maior que é sua terra e a retalham em pequenos lotes, muitas vezes até a beira dos rios, degradando?a, numa verdadeira burla à Lei e ainda assim criticam quando a Justiça se manifesta por serem loteamentos clandestinos. Quem prejudicou mais a terra, quem as comprou com bom dinheiro ou quem as retalhou em lotes, e que no máximo recebeu um recibo e o cadastro no IPTU?
– Pai, então este não é caiçara de verdade.
– Claro que é filho, tente entender. O espanhol que envergonha seu povo, ainda assim é espanhol.
– Pai, e quanto a nós o que somos?
– Como assim?
– Somos caiçaras?
– Claro, até porque nasceram aqui, sua mãe, sua avó materna, sua tataravô materna, sua tatataravó nasceu aqui…
– Pare pai, já entendi. Sou um caiçara de verdade. Meu avô era pescador e o pai dele e tenho orgulho disso, mas como posso manter viva a cultura de meu povo?
– Em primeiro lugar, honre sua terra e o nome de sua família. Em segundo lugar não seja pretensioso e nem faça discriminação de pessoas e acima de tudo busque você mesmo manter viva a cultura de seus antepassados, não delegando a outros a necessidade de faze?lo. Eu não tive a honra de nascer aqui, em Ubatuba, mas vim para cá bastante pequeno e aqui tenho sido muito feliz e honrando o nome da cidade que meus pais escolheram para nos criar. Tentamos, em todos estes anos, nos integrar aos hábitos e costumes da cidade que amamos. Meu pai faz o melhor azul-marinho que já comi e nasceu na cidade de São Paulo. Me considero um ?caiçara genérico?, tenho toda a composição daquele que se diz caiçara verdadeiro, porém, não saio tão caro, pois não envergonho o nome de minha cidade lançando para o mundo inteiro o meu pensamento mesquinho e pequeno. Sei me colocar e o meu exemplo por si só engrandece a minha cidade. Se você for assim meu filho, você terá orgulho de ser chamado de caiçara e as outras pessoas terão orgulho de você e assim será um bom exemplar de sua cultura.
– Ai ai ai pai, então tem caiçara pirateado?
– Sim, nasceu aqui, mas envergonha seu povo. Não por ter suas opiniões, mas por agredir ou ameaçar a todos aqueles que têm opiniões diferentes da sua. O caiçara não é truculento e é um povo ordeiro e cheio de sabedoria.
Antenor Ricardo Benetti
antenorbenetti@hotmail.com
fonte : http://www.ubaweb.com/revista/g_mascara.php?grc=22590
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