Linha na imaginação

Sempre gostei de criar os meus brinquedos. Quando confeccionava as minhas pipas caprichava na rabiola, no estirante, na escolha das cores das folhas. É que quando a gente faz uma pipa é como se a gente soubesse que a fazemos para presentear o céu com mais uma estrela.

As pipas são estrelas raras, que costumam ser colocadas no céu durante os meses de férias escolares, quando a molecada dá linha na imaginação. E são raras por que nascem das mãos criativas de meninos esquecidos. É bem verdade que meninos esquecidos é uma espécie em extinção. O mundo os instiga a tantas coisas!

Nunca fiz pipas para competir com os moleques, meus amigos. Eles até passavam cerol na linha. Eu não. Encantava-me em ficar ali horas e horas apenas debicando, fazendo a minha pipa quase que aterrissar ao chão e, só depois, eu puxava a linha com muita destreza para vê-la emergir novamente no azul.

Empinar uma pipa é diferente de ver um passarinho. Ninguém pode domar um passarinho em seu voo, já as pipas estão sob o controle dos nossos dedos hábeis e ágeis. Não tinha a preocupação de taiar ninguém, porque o meu negócio sempre fora vento no rosto e pé na imaginação assim como o Betão fazia.

O Betão era um homem-menino que vivia nas bandas da Vila Campesina, um bairro vizinho ao meu. Ele devia fazer pipa também, mas carro era o brinquedo que mais gostava de inventar. Carro sem motor.

Sim.

*
O Betão amava carro,
entrava num e sumia.
Dizia que ia pra China
e tome aceleração.
Carro inventado tem lá
as suas vantagens:
não gasta óleo, gasolina,
nem embreagem.
O negócio do Betão
era vento no rosto
e pé na imaginação,
mas um dia o Betão
se deu mal.
De repente: catapimba,
prequeté e bum!
O Betão deu de cara
com o muro.
Sorte do carro
que era inventado.

Ufa!

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*poema publicado no meu livro Poesia Futebol Clube e Outros poemas