Quando o Brasil foi descoberto, a região de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, era conhecida pelos índios tupinambás como Iperoig, mesmo local em que anos depois os padres jesuítas José de Anchieta e Manoel de Nóbrega protagonizaram um acontecimento de grande importância para a história do Brasil (veja Resenhas – Brasil – 1560 – Confederação dos Tamoios). Tempos depois, o açoriano Jordão Homem da Costa fundaria ali, em 28 de outubro de 1637, a Vila da Exaltação da Santa Cruz de Ubatuba, embrião da cidade que hoje é conhecida mundialmente como um dos mais belos e atraentes pólos turísticos de toda a extensa faixa litorânea brasileira.
Em Ubatuba, os que aprenderam a apreciar e valorizar os nossos acidentes geográficos encontram o morro do Corcovado, que como alguém já disse, “é uma formidável corcunda de pedra que se eleva da silhueta da Serra do Mar”. E com razão, porque o morro é, realmente um monumento monolítico de grande beleza, mas também cercado por uma aura de magia que o tornou motivo e causa de uma série de lendas guardadas na memória folclórica de nossa terra e de nossa gente. Entre elas a que trata do desaparecimento de frei Bartolomeu, ocorrido em 1697.
Conta essa história que na mesma época em que Jordão Homem da Costa chegou à região acompanhado por diversas famílias que como ele se dispunham a colonizar aquelas terras recém-batizadas com o nome de Ubatuba, alguns jovens ávidos por aventura demonstraram interesse em escalar o Corcovado. Deles, apenas dois, Pablo e Juan, filhos de um fidalgo espanhol que recebera da coroa portuguesa a propriedade de uma grande sesmaria na mesma área, se dispuseram a fazê-lo, e por isso partiram em uma madrugada do mês de abril, em plena primavera, animados pela certeza de que seriam bem sucedidos na expedição nunca antes tentada por qualquer outro europeu. Os dois iniciaram a longa caminhada sentindo o sopro de uma brisa leve que vinha do oceano, e desapareceram na primeira curva do caminho quando os primeiros clarões de um novo dia principiavam a surgir no horizonte.
Como os dias se passavam e eles não retornavam, a inquietação tomou conta dos familiares, amigos e demais moradores da vila, que em seus comentários atribuíam a demora à possibilidade deles estarem perdidos. Por isso entregaram a um escravo do fidalgo espanhol a missão de procurar os dois desaparecidos, tendo este prometido ao seu senhor não retornar sem os rapazes, e que para não deixar de lado nenhuma probabilidade iniciaria a busca pelo alto da montanha teimosamente escondida desde a manhã anterior por uma neblina que o vento e o calor do sol não conseguiam dissipar. Dito isso se pôs a caminho acompanhado por gente do fidalgo, cinco homens que o viram chegar ao pé da escarpa imponente e ali iniciar a subida com agilidade e destreza, valendo-se das saliências oferecidas pela pedra para avançar metro a metro, até desaparecer em meio à folhagem existente na parte mais alta do morro. Depois disso, nunca mais foi visto, associando seu sumiço ao dos dois jovens que o haviam precedido na escalada de final tão misterioso.
Passados sessenta anos, frei Bartolomeu, da Ordem de Francisco, saiu de São Vicente para Ubatuba com a finalidade de oficiar uma missa em homenagem ao padre Anchieta, grande catequizador cuja morte completava o primeiro centenário. Ali, em contato com os moradores do lugar, ele tomou conhecimento do que acontecera no passado, mas discordando do temor demonstrado por esses homens e mulheres quando se referiam ao triplo desaparecimento, porque o associavam a coisas malignas, declarou que subiria ao alto do morro para elucidar de uma vez por todas aquele mistério. E mais: para provar que realmente havia cumprido o prometido, colocaria lá em cima uma grande bandeira vermelha capaz de ser vista por quantos o acompanhassem ao pé da elevação, afastando, dessa forma, qualquer dúvida porventura existente entre os ainda recalcitrantes.
E foi o que fez. Chegou à pedra, avançou como pôde pelo paredão acima, chegou ao cume e desfraldou, como havia dito que faria, o enorme pedaço de pano vermelho que levava. O povo lá embaixo percebeu na mesma hora quando isso aconteceu, e vibrou de alegria e entusiasmo diante da possibilidade de que o mistério dos três homens desaparecidos finalmente ficasse esclarecido. Daí, satisfeitos, todos ficaram esperando o retorno do religioso. Mas o dia passou, a noite foi chegando, com isso os mais medrosos começaram a ir embora, até que só restaram poucos dispostos a aguardar a volta do padre naquele pedaço de mato, envolvidos pela escuridão amedrontadora. E eles ali ficaram, ansiosos, sobressaltados, até que por volta da meia-noite um suspiro aliviado ecoou no local, porque os mais atentos haviam percebido a figura de frei Bartolomeu descendo lentamente do alto do morro, iluminado pela luz da lua que aparecia àquela hora..
O frei se arrastava pela pedra abaixo com extrema dificuldade, percorrendo o mesmo caminho feito quando subira. Vinha lentamente, mexendo os braços em movimentos que ninguém conseguia precisar, e quando se expôs completamente ao luar, nenhum dos homens deixou de perceber a palidez fantasmagórica estampada em sua face triste, os olhos encovados e sem brilho, a boca murcha com lábios contraídos e esbranquiçados. Mesmo assim, eles correram para abraçá-lo, mas só avançaram alguns metros porque o frei simplesmente desapareceu da vista de todos. Para onde tinha ido? Foi o que se perguntaram. Gritaram o seu nome, uma, duas, três vezes, até que um gemido rouco, terrível, veio do alto, ecoou pela mataria e se perdeu na noite. Um frio de morte gelou os presentes, e por mais valentes que fossem, tanto que estavam ali até aquela hora, todos eles saíram em carreira desabalada, abandonando o mais depressa que podiam aquele pedaço de chão amaldiçoado.
Dizem que ainda hoje, quem se atrever a ficar no sopé do morro do Corcovado poderá ver o frei Bartolomeu descendo devagar pela rocha, tentando chegar à base da elevação. Mas sem sucesso. E por isso a mesma cena se repete noite após noite, até quando… quem é que sabe?.
FONTE:
http://www.fernandodannemann.recantodasletras.com.br/
FERNANDO KITZINGER DANNEMANN