HISTÓRIAS CAIÇARAS……Monumento á Caninana

Spilotes pullalus para os botânicos, caninana para nós outros, o mau gênio da cobra é conhecido de todos, principalmente quando está em fase de acasalamento, oportunidade em que só encontra bom humor para seus parceiros. O resto, é melhor não brincar.

Nem por isso o caiçara deixa de ter profunda admiração e respeito pela caninana, responsável pelo combate sistemático a outras cobras venenosas, roedores e insetos de maior tamanho.
Por esta característica deste ofídio é que minha amiga Laurinda recebeu esse cognome quando, na flor de sua juventude, prestava favores aos seus parceiros, sempre em troca de algum agrado, de preferência em metal sonante, já que brincos vagabundos e lenços de chita não enchiam barriga de ninguém, muito menos de sua filharada, a maioria mulheres ainda muito crianças, sem corpo e a sabedoria apropriados para a lida. E ai de quem não acertasse após a função.
Progredindo em seu negócio, com fregueses abundantes e quase sempre generosos, tudo em nome da falta de concorrência e do clima propício para o amor, minha amiga Laurinda resolveu ampliar seu negócio, mesmo porque aquela vida apesar de boa, era um tanto cansativa, principalmente quando a clientela jovem resolvia aparecer. Era difícil sozinha dar conta do serviço.
Uma geladeira, meia dúzia de copos, algumas bebidas, nada de pinga, e uma radio vitrola de segunda mão. Faltava companheira, o que não foi muito difícil arregimentar. Estava lançada a pedra fundamental do Bar da Caninana.
Alias, este apelido já vinha de algum tempo, quando era casada de um homem só e lhe aplicava uma surra todo dia que não queria sair para pescar, alegando dor nas costas, reumatismo ou mar ruim. Não se sabe se de tanto apanhar ou de tanto chifre, um dia Gustinho desapareceu no mundo somente com a roupa no corpo, nunca mais se tendo notícia dele.
Com a abertura da Rio-Santos e a invasão de um mundaréu de piões que vinham de todo o Brasil para trabalhar na estrada, o Bar da Caninana tornou-se atração de fim de semana para toda a galera do trecho. Não precisa dizer que fim de noite sem pancadaria não era fim de noite. Pra encerramento das funções, Laurinda tinha que mostrar sua fama de brava e expulsar os bêbados na base do cabo de vassoura, quase sempre quebrado no lombo de algum.
E assim passaram-se os anos, chegaram os cabelos brancos e aos poucos Caninana, ou Laurinda, tratou de se aposentar, ficando tão somente com a administração de sua casa, já famosa e única, além de pioneira.
Mais anos se passaram e com a liberação do amor, Caninana viu aos poucos seus clientes irem-se embora, como sua juventude já havia ido anteriormente, ficando tão somente o peso bem vivido da idade, as contas para pagar e os netos para criar.
Quem andar pelos lados do Itaguá, tiver mais de meio século no lombo e um pouco de sorte, pode ver uma velhinha andando devagar, cabelos escorridos e bem brancos, ombros meio arqueados, vestido roto, mais ainda um resquício de altivez, o pouco que sobrou da mais feroz e ao mesmo tempo mais amorosa de todas as Caninanas desse imenso pais e há de lembrar de tudo isto que se está falando agora.
Recentemente alguém ao vê-la, certamente sob a influência de enormes doses, mas também de grande generosidade, fez uma proposta em altos brados. Precisamos erguer um monumento à Caninana.
A primeira mulher a franquear o amor em Ubatuba.

Texto de :

Do site : http://www.ubaweb.com/ubaweb/n11/11_art1.html