O interesse pelo pescado como alimento aumentou após a expansão da ciência da nutrição, constatando-se o seu importante valor nutritivo, principalmente pelos altos teores de vitaminas A e D, cálcio e fósforo, baixa quantidade e considerável qualidade dos lipídios, bem como pela presença de proteínas de elevado valor biológico.
A composição do pescado varia entre 60 e 85% de umidade, aproximadamente 20% de proteína bruta, 1 a 2% de cinzas e 0,6 a 36% de lipídios. Em relação aos aminoácidos essenciais, a composição do pescado é completa, balanceada e bastante semelhante entre as espécies dulcícolas e marinhas.
A carne de pescado apresenta boa digestibilidade por conter menos tecido conjuntivo (3%) em comparação com a de mamíferos (17%). Apresenta ainda, em média, 5% de gordura (cerca de 1/3 da apresentada por mamíferos), 26% de proteína, todos os aminoácidos (1 a 5 mg de aminoácidos livres/grama de proteína), elevados teores de vitaminas do complexo B e menos do que 1,5% de matéria mineral, embora seja excelente fonte de cálcio e fósforo.
O pescado tem elevado teor de lisina, sendo, por isso, necessário na dieta brasileira, constituída basicamente de arroz. A digestibilidade é alta, acima de 95% conforme a espécie, e maior do que a das carnes em geral e do leite.
As proteínas do músculo são dos tipos: sarcoplasmáticas (20-30%), que se localizam no plasma muscular, e miofibrilares (66–77%), que formam as miofibrilas. O tecido conectivo forma parte do estroma (3-5%) e está presente em menor quantidade que nos mamíferos.
O teor de lipídios varia em função da espécie, tipo de músculo, sexo, idade, época do ano, hábitat e dieta. Os lipídios são importantes como fonte de energia, como constituintes de membranas celulares, nutrientes essenciais, substâncias controladoras do metabolismo, substâncias isolantes de temperatura e protetores contra danos mecânicos externos. Podem estar associados, positiva ou negativamente, a diversas propriedades como sabor, cor, características emulsificantes e conteúdo calórico.
A importância dos lipídios de peixe na alimentação humana deve-se à presença de ácidos graxos poli-insaturados (AGPIs), principalmente os da série ?-3, extensivamente correlacionados à baixa incidência de doenças cardiovasculares nos esquimós e japoneses, povos com elevado consumo desses ácidos graxos.
A partir da década de 1950, pesquisas começaram a demonstrar a influência dos ácidos graxos insaturados na redução das taxas séricas do colesterol, enquanto outras demonstraram que esses ácidos também reduziram o risco de doenças como artrite e câncer. Apesar de necessários para inúmeras reações bioquímicas, o ser humano precisa ingerir ácidos graxos essenciais (AGEs), pois eles não são produzidos pelo organismo. Como todos os animais, os humanos possuem dessaturases microssomais, produzidas pelo fígado, para transformar enzimaticamente os ácidos graxos saturados em monoinsaturados, mas não têm condições de produzir endogenamente os ácidos graxos ?-3 e ?-6, considerados essenciais, os quais, consequentemente, precisam ser obtidos via alimentação.
Os AGEs, importantes materiais de construção das células vivas, são responsáveis por parte substancial das paredes celulares. Como essas moléculas têm várias funções, a sua ausência causa uma série de anomalias fisiológicas e bioquímicas, prejudicando o crescimento e a fertilidade, dentre outros efeitos. Os mais importantes AGEs são os AGPIs, especialmente o ácido linoleico (ômega-6 ou n-6) e o ácido linolênico (ômega-3 ou n-3). Muitas pesquisas evidenciaram que os ácidos linoleico e linolênico, respectivamente octadeca-ienoico e octadeca-trienoico, e também o ácido araquidônico (AA), do qual o ácido linoleico é precursor, desempenham papel insubstituível no organismo humano. O ácido docosahexaenoico (DHA) presente na alimentação é o ácido graxo ?-3, que favorece o desenvolvimento do cérebro e da retina.
Na década de 1970, alguns cientistas observaram a necessidade de ?-3 para o desenvolvimento dos neurônios, de forma que sua carência durante o estágio fetal pode acarretar consequências sérias à vida futura da criança. A quantidade de AGPIs na dieta, particularmente o DHA, bem como a proporção ?-3/?-6 durante a gravidez e a amamentação, influenciam a saúde da mãe e do filho, sendo fatores preponderantes no desenvolvimento neural na infância. Estudos realizados com crianças em idade escolar que consumiram pão e produtos lácteos com suplementação de DHA relatam que elas apresentaram níveis de concentração melhorados e diminuição do estresse durante a realização de testes.
Um aspecto importante na ingestão desses ácidos é a relação ?-6:?-3, pois valores elevados desta razão indicam desbalanceamento, contribuindo para o desenvolvimento de processos inflamatórios, desordem do sistema imune, hipertensão e disfunções neurológicas. Estudos estimam que a relação ideal esteja entre 4:1 e 10:1 e que é mais importante ter uma alimentação rica em fornecedores ou precursores de AG ?-3 e ?-6, do que utilizar fórmulas em que estes compostos sejam fornecidos isoladamente.
Também, para pessoas idosas ressalta-se a importância da adequada inclusão de AGPIs na dieta, não somente como prevenção de moléstias coronarianas, mas também para propiciar um bem-estar geral. Pelo menos 6% das calorias da dieta devem ser fornecidas por AGPIs essenciais, sempre na proporção adequada. Alguns autores propuseram que de 5 a 12% das necessidades de calorias sejam supridas por AGEs, a fim de aumentar a longevidade. Para a FAO e a WHO (World Health Organization), o consumo deve ser de 3% de óleos essenciais, principalmente ?-3 e ?-6, aceitando-se um consumo total de energia ao redor de 3.000 calorias/dia.
Além de peixes, vários outros alimentos disponibilizam ácidos graxos ?-3, como o óleo de linhaça, nozes, sementes de abóbora, sementes de gergelim, abacate, óleo de canola não refinado e extraído a frio, mostarda e alguns vegetais verde escuros, como o espinafre, mas, sem dúvida, a grande fonte fornecedora de AG de cadeia longa da família ?-3 são os animais marinhos, especialmente os peixes, como salmão, cavala, sardinha, anchova e atum.
Os peixes são classificados em quatro grupos – magros, pouco gordos, de média gordura e de muita gordura-, com o teor lipídico variando entre 2 e 14% (caso do salmão criado em cativeiro). Peixes tipicamente magros, como bacalhau e o haddock, dificilmente alcançam o teor de 200 mg de EPA+DHA por 100 g de porção comestível. Segundo algumas pesquisas, a quantidade de peixe indicada para uma pessoa se beneficiar dos efeitos dos AGPIs é de pelo menos 400 g por semana, sendo que em uma dieta balanceada, na qual o pescado é consumido 2 a 3 vezes por semana, ocorre suprimento das necessidades diárias de AGPI ?-3, o que contribui para a integridade das membranas celulares e tecidos nervosos, bem como para o bom funcionamento do organismo como um todo.
A maioria dos habitantes de países ocidentais consome quantidades adequadas de ácido linoleico graças ao uso de óleos vegetais na dieta, mas há uma tendência a consumir quantidades de ácido linolênico muito abaixo do necessário.
Pesquisas de caracterização da alimentação complementar para o primeiro ano de vida da criança relataram que o peixe foi um dos alimentos mais rejeitado, sendo que 85,4% das mães entrevistadas admitiram não ter interesse na inclusão de peixe na dieta infantil. Embora não haja consenso na literatura sobre o melhor período da vida para a introdução do peixe na dieta, é desejável que ela ocorra gradualmente a partir do sexto mês de vida.
A recusa observada em ofertar o peixe, e outros produtos pesqueiros, pode ser resultado da falta de hábito materno em consumir esse tipo de alimento. Viver em cidades distantes do mar ou não propícias à pesca dulcícola ou marinha, pode ser um dos fatores que contribui para inibir o consumo.
A introdução do peixe na alimentação infantil também pode estar envolta em mitos. Curiosamente observa-se que em algumas comunidades litorâneas do Brasil o interesse na introdução de cação na dieta de crianças pequenas estava relacionado à crença na capacidade da carne de “tubarãozinho” despertar a fala.
Uma alimentação segura na infância estimula uma alimentação saudável na vida adulta, sendo assim, é muito importante a adoção de estratégias nacionais que incentivem a população ao consumo de pescado de qualidade.
Cristiane Rodrigues Pinheiro Neiva, pesquisadora científica, diretora da Unidade Laboratorial de Referência em Tecnologia do Pescado do Instituto de Pesca, www.pesca.sp.gov.br, Santos (SP), abril 2009