Paulo Netho

Os silêncios

Foto: www.charretes.net


Estilo é tudo já dizia o velho Bukowski. Quem não o tem, não tem nada. Eu era bem menino enquanto a vida seguia lenta. Uns eram modernos, outros retrô e muitos gostavam de ser largados. Eu era do time dos largados. Opção. Passava boas horas dos meus dias trepado no telhado da casinha de 3 cômodos em que morávamos na Vila Yara. Via a cidade toda. Prédios - naquele tempo - eram uma raridade em Osasco. Olhar o horizonte enchia-me de entusiasmo. O mesmo entusiasmo que sentia quando ouvia o trem apitando quando passava pela estação Osasco. Ouvia lá na Vila Yara. Entusiasmo das coisas primeiras, será que me entende? O Pico do Jaraguá compunha o cenário ao fundo. Observava o sol nascendo, se pondo. Estrelas despontando, a lua minguando, enchendo, crescendo. Achava que a fila de carros com as suas luzinhas na Castello, ao final da tarde, fosse uma procissão de formigas. Formigas em plena movimentação - no vaivém da existência. A procissão dentro dos meus olhos de criança. Pequenos e grandes silêncios me fascinavam. Mais tarde, descobri que os silêncios têm um poder de nos conservar intactos às gasturas da vida. Do telhado da minha casinha, tudo parecia altaneiro. O ato em si de olhar as coisas do alto gerava em mim uma sensação indescritível, a qual sinto até hoje. Sabia que os silêncios gostavam de me conversar. Eles sempre me explicaram tudo desde os tempos mais remotos. Hoje a vida é mil vezes mais veloz, porém dentro de mim ela segue no mesmo balanço vagaroso das carroças com suas rodas cambaias.


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Aranhas, grilos e lagartixas

Gif: http://www.recados-online.net


Na sexta feira, a aula foi bastante agitada. O assunto foi crendice e superstição.

O Claudinho foi o primeiro a falar:
– Prô, é verdade que se a palma da mão esquerda coçar vou receber dinheiro? E se acontecer o mesmo com a mão direita é sinal de que uma visita desconhecida está chegando?

Na sequência, a professora quis saber se mais alguém se lembrava de alguma crendice ou superstição. Então o Guilherme disse:
– Prô, a minha prima Giovanna disse que se alguém quebra um espelho tem sete anos de azar.

Nem deu tempo pra professora explicar quando as gêmeas Marcela e Micaela gritaram ansiosas:
– Prô, Prô. – Nunca, nunca deixe que outra pessoa se olhe no espelho ao mesmo tempo que a senhora!

De repente, todo mundo tinha algo pra contar. Até a menina mais tímida da classe, a Maria Eduarda:
– Eu não atravesso a rua quando vejo um gato preto.

A professora então explicou que isso surgiu na Idade Média, quando as pessoas acreditavam que os gatos eram bruxas e se transformavam em animais. Por isso, a tradição diz que cruzar com um gato preto é azar na certa.

Neste momento o Eliseu até fez o sinal da cruz.

– Mas quando a nossa orelha começa a esquentar será que é por que alguém está falando da gente?, a Gabriela quis saber.

– Se isso acontecer Gabi, diga os nomes dos suspeitos até que a sua orelha pare de arder. Depois, morda o dedo mínimo da mão esquerda e automaticamente quem estiver falando mal de você morderá a própria língua, disse a professora e ainda explicou – Claro que isso não tem base científica nenhuma e é por isso que chamamos este tipo de coisa de crendice ou superstição.

Aí, o Guilherme levantou a mão e disse:
– Prô, a senhora já matou aranhas, grilos e lagartixas alguma vez?
– Claro que sim, Guilherme!
– Então, tome cuidado!
- Mas cuidado por quê?
- A senhora pode ter problemas. Está escrito aqui no meu livrinho: “matar uma aranha pode causar infelicidade no amor.”

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A menina que desescreveu

Querido(o) leitor(a), não se assuste. O fato que vou narrar hoje se refere a uma menina que adora usar o prefixo “des”. E quando ela fica confusa é quando mais usa deste artíficio. As pessoas até acham graça, mas a menina não vê graça nenhuma.

E aquela tarde ela estava muuuito confusa, a menina. Precisava falar com a Tina, a sua melhor amiga. A Tina estava sem msn. (Cá entre nós, ficar sem msn é o fim para alguns).

A menina andava pra lá e pra cá. Falava sozinha batendo o pé no chão, passando as mãos nos cabelos. “Não é possível. Não é possível”. “Eu desescrevi o número do telefone da Tina aqui nesse caderninho, mas ele sumiu!”

A avó só observava a agitação da neta.

“Caramba estava desescrito aqui. Fui eu mesma quem desescreveu. Não pode ter sumido assim.”

“Filhinha”, disse a vó amorosamente. – Você não o encontrou porque não escreveu o número.
“Desescrevi sim, vó!”

Acontece que a menina tinha a quem puxar. A sua avó também era teimosa:
“Olha, menina! Se você diz que desescreveu é porque não escreveu. Quem escreve não desescreve, será que você me entende?
“Puxa, vó... Pensei que você fosse minha amiga, mas vejo que é minha mais nova desamiga. Eu preciso tanto falar com a Tina e você nem me ajuda. Então vou ficar desmal de você.”

E ficou.

A avó segurou o riso pra não piorar as coisas. Olhou carinhosamente para a neta e falou com firmeza:
- É isso que você quer, sua ingrata?

A menina não disse mais nada, o olhar empedrado já descrevia tudo.


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Com os pés nos pardais

Foto: Pedro Pires


Sabe aquele dia, aquela semana em que você não está com vontade de fazer nada? Isso estava acontecendo comigo constamente. Chegava enfrente ao computador e não conseguia escrever uma linha sequer.

Que coisa mais chata!

Parece que o tempo todo somos regulados por alguém ou por nós mesmos. São os seus pais, os seus professores, a sociedade... Mas a maior carrasca é a nossa própria consciência. Ô sujeita que gosta de infernizar a gente, hein!

Tudo ela proíbe. Você não pode tirar nem um cochilinho de uns dez minutos depois do almoço, porque isso só pode ser coisa de vagabundo. Ah, tenha dó!

Por causa disso, resolvi me dar férias dessa chatice toda. Chamei os meus pensamentos e disse assim pros carinhas:
- Ô meu, vamos vadiar!

Neste momento, um pensamento gordão e muito do carrancudo chiou:
- Veja bem, você tem obrigações a cumprir. O momento não é apropriado para vadiagem!

Sabe o que fiz?

Deixei o gordão falando sozinho, peguei aqueles pensamentos os quais achei que ainda tinham alguma salvação e levei-os comigo.

Vadiamos pelas tardes, colocamos os pés nos pardais, desabotoamos suspiros profundos, colecionamos desapegos e assim – desde aquele dia – fazemos isso todos os dias.

A nossa caminhada só termina quando a noite cochicha estrelas no céu. É um sinal de que os pensamentos já podem dormir desanuviados.


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Hoje na Saraiva

Ilustração: Ricardo Girotto

Cheguei agorinha mesmo da Saraiva. Hoje me apresentei nas lojas do Eldorado e do Ibirapuera. Já disse isso uma vez e vou repetir: amo me apresentar para as crianças e seus familiares. Pais e filhos e tias e avós parecem gostar de cair no embalo das boas falas. Falas encantadoras. A coisa é linda. Uma vez, um amigo, que eu acho que não é tão amigo assim me disse na lata que o meu trabalho é uma enrolação. Ora, amigo, o meu trabalho é uma desenrolação só! As pessoas que participam das minhas apresentações divertem-se e se entregam aos meus gracejos, às minhas palavras sesquipedais. Pais estressados rendem-se ao riso. Descobrem que são capazes de voos mais leves. Então, quando chego em casa fico rememorando essas coisas. Hoje vou dormir pensando na graça do pequeno Enzo que deu um show no Eldorado. Pensarei também na harmonia da Gabi com o seu pai, o Alex. Eles gostaram de mergulhar nas minhas miudezas poéticas, assim como tantos outros. Ah, sim senhor! Foi uma tarde e tanto, só para crianças de queixos caídos e olhos arregalados. Amanhã tem mais. Veja a agenda aí ao lado.

Só mais uma coisa, conheci também a Thelma e o Cláudio pais do pequeno Gabriel. A Thelma é jornalista e tem um blog (Educar e Cuidar) dedicado ao Desenvolvimento infantil. Vou linkar o blog dela no meu.



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Cidade assassina

Carmesim era a cor do fim. O tempo todo duvidou da dúvida. Sei lá o que passava pela sua cabeça, que monstros enfrentava. Talvez gostasse de duvidar de tudo ou não. Escorregou na curva enquanto esfregava feridas. Morrer, só se fosse de morte morri...

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Redação de negativas

Ela disse que não enguliria mais os 3 milhões de metros quadrados de indiferença dele. E numa redação de negativas infindáveis argumentou que não poderia mais suportar os seus medos e os seus 300 anos de enganos plus. Não dava mais. Não dava...

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Isso não é brincadeira

Sempre tem alguém na nossa vida. Isso não é brincadeira. Alguém com os olhos ardendo em chamas. Aqui, ali, acolá; sempre tem alguém que nos olha como ninguém nunca jamais nos olhou antes. Alguém que gosta de se pertencer à asa quebrada de um v...

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Ai de nós

Imagem: ninguemle.org/tag/nos/ Ai de nósamarradosem nossosnós....

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