Tava tomado de um sentimento. Não sabia explicar. Têm coisas que não precisam de explicação. Talvez a poluição, o clima pesado, tivesse deixado o cara meio jururu. Talvez não. Sentia-se enclausurado, mas com o quê? Depois que completou 40 anos de idade decepcionou-se consigo mesmo. Acreditava no dito popular, aquele de que a vida começa aos 40. Balela. Pensara nas oportunidades perdidas, perdia-se num mar de negatividades.
Agora andava sem rumo.
A cidade tava diferente, não suportava tal fato. As pessoas diziam que é o progresso. De fato, o seu olhar arruinava as coisas, enfeiava tudo, o mundo ficava mais medonho do que é.
Com muita dificuldade saiu de casa às dezessete horas e oito minutos. Sua casa era a sua fortaleza contra todas as interpéries, o poupava das barbaridades, das mesquinharias. Quando tava enfiado em seu lar sentia-se protegido da visibilidade banal de seus pares.
Tomou o trem bem na hora do pico. Sentiu uma inveja boa das milhares de pessoas anônimas que retornavam aos seus lares depois de um dia de trabalho. Gente trabalhadora. Gente que não se entrega nunca.
A vida em pencas.
Quantos enredos! Quantos sonetos! Quantos poemas! Quantas histórias! Quantos silêncios!
Tossia muito. Secura. Clima de deserto. Os olhos até avermelhavam. O progresso é um gigante troglodita, não cultiva jardins, não conversa belezas.
Enquanto o trem segue, vê, do lado de fora, as vias congestionadas. Do lado de dentro, as vias nasais também. O pior, pensa consigo, é que isso tudo não é obra de ficção científica. De fato, o cara tava tomado de um sentimento.
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