As ruas estão cheias, falam mais do que feirantes querendo voltar para casa sem mercadoria. Não entendeu? Então escute aí: chega uma hora em que a gente precisa criar anticorpos contra blasfemadores. Blasfemar é um esporte que se prática, a torto e a direito, por todos contra todos o tempo todo. Perdoe-me pelo uso indevido de frases feitas, é que elas encurtam o caminho quando não se encontra palavras certeiras ou se está com preguiça. Pensar é trabalhoso. Daí você me alerta que as pessoas estão falando verdades ao meu respeito! Ora, que verdades? Verdade é uma obra de ficção onde a interpretação é livre. Agora se a interpretação está correta ou não, isso é outra história. A verdade, eu lhe digo: é outra coisa. A verdade tem mil facetas, veste roupas diferentes. A verdade é a verdade de cada um; como escreveu um francês desses que li: “a verdade só é verdade, enquanto não houver outra verdade”. Com toda a franqueza, não estou nem um pouco interessado nisso que chamam de “verdade”, ainda mais quando o assunto sou eu. Afinal, quem não conhece a minha impostura? Portanto, não me interesso sobre o que falam de mim, penso apenas em como deve ser dura a vida das sardinhas, essas pobres coitadas enlatadas, mas, elas, ao menos, levam uma vantagem sobre nós: só são enlatadas depois que morrem. E se tem uma coisa que me deixa encafifado é essa dúvida cruel de saber se este ônibus vai esvaziar quando chegar ao ponto em que devo descer. Perdi a prática. Isso não é questão de azedume nem mesmo de incompetência. Definitivamente não. Maus tratos e coisas assim deixam a gente em ebulição. Vida que se relega não é vida. Você passa duas, três, quatro horas nesse latão sendo esmagado pra trampar todo moído, ninguém merece. Bom, mas isso é só a ida. A volta eu deixo para os blasfemadores de plantão. Depois eu conto a minha versão.
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