Depois do banho

Dizia ser forte apesar de sentir-se emocionalmente debilitada. Desde que os filhos foram viver as suas respectivas vidas, procurou se reinventar: ginástica, caminhadas com as amigas, aulas particulares de inglês, missa aos domingos, cuidados com o jardim. O domingo fora frio. Em dias assim ficava mexida por demais. Verteu lágrimas, desaguou copiosamente, sem vergonha, enquanto observava, na ampla sala, fotos que remetiam a tempos inesquecíveis. A água jorrada de seus olhos azuis e brilhantes, formou o corpo das lágrimas que lhe escorriam pela face. Discretamente, com o dedo mínimo – devidamente pintado em esmalte azul royal – tentou estancar o curso do rio que seguia corpo abaixo, lentamente. No chuveiro, a água quente massageava-lhe a carne. Agradecia a Deus por cada pingo d’água que deslindava seu corpo inteiro. Curtiu aquele momento raro de prazer. Saiu nova do banho. Depois, passou creme nas pernas, nos braços, na face… Certamente sabia que precisava ser forte para, mais uma vez, cavar das ausências que sentia a vida que lhe restara, a vida mesma que lhe cabia.

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