Nos anos 1970 do século passado, tive um sonho, nada original, para meninos nascidos no Brasil daquela época: ser jogador de futebol. Só agora entendo que o Geraldão, que é o meu pai, foi o culpado disso.
Vou explicar.
Acontece que na nossa casa ainda não tinha tevê e o meu pai costumava ouvir aos jogos do tricolor paulista pelo rádio. Aliás, o mundo – que era distante e mais misterioso do que hoje – só nos chegava pelas ondas do rádio.
O nosso era um radião marrom, todo valvulado. Se você olhasse na parte de trás podia ver uma engenhoca bem maluca. O treco parecia a usina de Itaipu com suas luzinhas semi-apagadas.
O Geraldão ficava ali escutando a partida, e eu junto. Aquele radião valvulado chiava pra burro que nem pulmão de moleque, quando precisa de xarope, que nem a saparia coaxando feliz no brejo. Mesmo assim, nem o meu pai e nem eu arredávamos os pés dali.
O homem lá do rádio narrava o jogo numa velocidade estonteante. Achava lindo a velocidade da sua narração. Ele carregava de erres a sua entonação: parrrrrrtida, o árrrbitro trrrrina o apito, bola rrrrrrrrolannnnnndo… Também esticava o ene.
Outra coisa que não me esqueço é a expressão pe-na-li-da-de má-xi-ma, pronunciada assim mesmo toda silabada. Achava aquilo incrível. Nem imaginava que o narrador, bem antes de mim, já soprava ventos há tempos!
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