A vida mudou. Que fim levou o povo que aqui vivia? O Zé ainda mora lá. Tá gordo feito um boi. O seu Antônio? Morreu. Acho. E o Carlão? Este sumiu. Desapareceu. Faz 10 anos. Noiou. Justo ele que abominava essas drogas. Os acontecimentos o fraquejaram. Desatinou no caminho dos destilados, dos alucinógenos até descer aos infernos do crack. Aí, perdeu tudo. A mulher foi embora com o pastor. O bom pastor de almas. Este a salvou prometendo-lhe o céu. O céu. A mulher cansou-se de tanto chão. Isso aconteceu numa terça-feira, à noite. Acho que o Carlão não sabia que mulheres também se cansam. Ainda mais quando são assujeitadas a uma vida de merda. O pastor, como disse, havia prometido o céu. Isso pesa. Pesou. O Carlão então dançou e ferrou-se ainda mais na sua vida sem sentido. Nada de crucificar a mulher do Carlão. A pobre ficou enfastiada mesmo, mas sabia ser generosa. Não levou nada, nem os filhos. O mais velho tinha tudo pra ser jogador de futebol, o moleque batia um bolão. Batia. Não bate mais. O menino se solidarizou com a dor do pai e agora também usa os mesmos instrumentos de escapismo. Tristeza viu. Às vezes, as pessoas se lembram do Carlão quando o observam seguindo a sina do pai, o menino solidário.
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