Por Gabriela Azevedo
“O futuro não é mais como era antigamente…”
Renato Russo
O futuro não é mais como era, cantava Renato Russo, mas também não sabemos o que nos reserva esse futuro diante das mudanças rápidas que temos vivido. Essas mudanças têm sido, às vezes, tão radicais, tão rápidas, que mal dá tempo de percebê-las direito, quanto mais de parar e refletir sobre como nos afetam e nos afetarão. E não estou me referindo apenas às mudanças tecnológicas, e sim às mudanças ocorridas nas relações, que acabam por envolver crianças e adolescentes como personagens principais. Temos acompanhado histórias sobre comportamentos violentos e criminalidade entre os próprios adolescentes, de adultos contra crianças e adolescentes, em uma escala menor temos a falta de compromisso com o sentimento do outro. Como diz o sociólogo Sygmunt Bauman, estamos vivendo um mundo líquido, em que tudo se desfaz rapidamente.
Para falar sobre sexualidade do adolescente hoje, é importante pensar um pouco sobre que modelos esse adolescente tem? Que referências os adultos dão a ele? A que material ele tem acesso?
Há um foco intenso sobre os adolescentes, que não permite que eles se dêem conta de que alguma coisa esteja mal acabada nas relações que estabelecem. São revistas, produtos e até campanhas publicitárias que inclusive usam slogans como “Proibido para maiores”, excluindo a participação do adulto no processo de adolescer. Com isso, muitos jovens vivem sozinhos um período de transição desconhecido e muito importante. E é nessa fase, em meio às dúvidas, às inseguranças, ao medo e frente ao constante assédio da mídia, que acontecerão suas primeiras vivências sexuais.
Sabemos que viver a sexualidade desinformadamente não é privilégio da atualidade. Ao olharmos para trás e revisitarmos a história, lembraremos que por séculos a sexualidade foi considerada um assunto proibido. Pelo tabu existente em torno do tema, rapazes e moças eram completamente desinformados em relação à sexualidade, permanecendo em um estado de ignorância que se tornava um verdadeiro convite às dificuldades relacionadas à vivência sexual.
Hoje, parece que os adolescentes estão bem informados sobre todos os aspectos que envolvem a sexualidade. Há propaganda de camisinha, há revistas que abordam a sexualidade de diferentes aspectos, mas, ao observar a prática sexual, vemos que não sabem se proteger. Logo, há algum equívoco. A sociedade atual tem contribuído ativamente para que os adolescentes iniciem sua vida sexual precocemente, antes mesmo que eles se sintam preparados para isso. Há uma exposição permanente a cenas de sexo quase explícito, seja em novelas do horário nobre ou em reality shows. Sexo também é usado para vender tudo, carros, iogurtes, cosméticos, roupas, cerveja. Palavras como ficar, beijar, transar fazem parte do vocabulário do adolescente, mas vêm vazias de significados.
É inegável a influência dos processos sociais na expressão sexual dos adolescentes. O adolescente vive imerso nas referências da sociedade que passam a invadir seu imaginário e, assim, sua sexualidade é modelada pela linguagem e valores vigentes.
Além do assédio da mídia, hoje há torpedos, e-mails, msn, orkut que também ditam tendências nos comportamentos dos jovens. Para os adolescentes conversarem, discutirem, trocarem confidências, a comunicação ultrapassa o encontro no pátio do colégio ou no playground do prédio durante as tardes. Eles estabelecem um contato ininterrupto, existe uma urgência por esse contato, a mensagem tem de ser instantânea, a resposta imediata. Esperar tornou-se uma verdadeira tortura para eles e essa ansiedade acompanha os diversos aspectos de suas vidas. Mas aprender qualquer assunto leva tempo, existe o tempo do amadurecimento e da assimilação do conteúdo, inclusive quando o assunto é sexualidade. E nossos jovens imediatistas, tão acostumados a soluções rápidas e fáceis, acabam atropelando esse tempo.
Deixando a infância
A ansiedade tão marcante na adolescência não é estimulada apenas pelo avanço tecnológico. A passagem da infância para a adolescência por si só gera uma tremenda ansiedade no jovem.
Na infância, a criança tem os pais como sua principal referência e são eles, também, suas companhias na maior parte do tempo. Mas a entrada no mundo adulto implica em atenuar a força desse vínculo para, então, se relacionar e se identificar com o grupo. É natural e esperado que haja na adolescência um convívio intenso com a turma de amigos, mas não se espera que os pais deixem de participar de suas vidas. Assim, esse não é um processo fácil.
O início da adolescência é um período confuso, contraditório e até mesmo doloroso. O mundo adulto é desejado, mas, ao mesmo tempo, temido, e para se aventurar nele é preciso perder definitivamente a condição de criança, o que parece assustar os adolescentes. Notamos nessa transição oscilações entre o desejo pela independência e a vontade de permanecer dependente. É comum pais de adolescentes ouvirem protestos quando eles impõem horário para seus filhos voltarem para casa, mas não são poucas as vezes em que também notam segurança, e até um a ponta de orgulho, na voz de seus filhos ao contarem a um amigo que não poderão voltar para casa depois do horário estipulado. Assim, ao mesmo tempo em que querem liberdade, os adolescentes querem também se sentir protegidos.
A perda da infância é quase uma morte e segundo a psicanalista Françoise Dolto, é um dos riscos que a adolescência traz e que os jovens têm que viver. Outro risco é o do primeiro amor. O amor constitui para o adolescente a marca que inaugura sua vivência no mundo adulto. Dessa forma, a chegada da adolescência é determinada pela possibilidade do indivíduo em dissociar a vida imaginária da vida real. Seria o despertar do interesse pelo o mundo exterior e o seu desejo de investigá-lo. É essa possibilidade que caracteriza a ruptura com a infância.
A curiosidade por esse novo mundo e pelas pessoas que passam a fazer parte dele, provocam no adolescente o desejo de querer integrá-lo. Com isso, o grupo passará a exercer um papel importante e determinante nos comportamentos do adolescente, inclusive no comportamento sexual.
Até o início do século XX, rapazes e moças não tinham um convívio tão intenso, embora existisse interesses em comum e o desejo de ficar mais próximo. Porém, a proximidade acontecia somente com a presença de familiares, a intimidade era reservada apenas àqueles que casassem.
Hoje, a turma de amigos está cada vez mais presente na vida dos adolescentes, seja no espaço da escola, após a aula, em bate-papos na internet, através dos blogs. Esse convívio com o grupo, na maioria das vezes mais intenso do que o convívio com os pais, é um fator determinante no curso da sexualidade do adolescente, pois o grupo exerce grande influência sobre as condutas e as crenças dos adolescentes.
O grupo como espelho
O jovem que percebe seu grupo como sexualmente ativo tende a tornar-se mais ativo também. O grupo encoraja e desencoraja, dita as normas de conduta, seja em relação ao início da atividade sexual ou à adoção de métodos contraceptivos. O grupo dirá o que é bacana ou não, o que deve ser feito ou não, ainda que pais e escolas estejam tentando passar outra mensagem.
Muitos jovens acreditam que a maioria dos programas de educação sexual está restrita às descrições de como ocorre a reprodução e as conversas com seus pais, por sua vez, restritas às advertências sobre a necessidade do uso de preservativos. Com isso, os adolescentes preferem trocar informações com seus colegas, incorporando valores e sendo estimulados em suas práticas sexuais.
Porém, notamos que a comunicação entre os adolescentes é muitas vezes deficiente, constituindo praticamente uma linguagem não-verbal e codificada. A informação parece ser passada pela metade, por códigos que só eles entendem, ou não, e isso parece não importar, porque são mensagens sempre muito bem recebidas. É curioso notar que os adolescentes, ao se relacionarem, passam muito tempo falando de relacionamentos anteriores, do que aconteceu e do que deixou de acontecer, deixando de discutir o que estão vivendo. Para eles, o aqui e agora não deve ser falado, deve ser apenas experimentado. Com isso, informações importantes deixam de passadas, comportamentos podem ser precipitados e sentimentos correm o risco de serem atropelados.
Por terem o foco sempre em uma terceira pessoa, seja no ex-namorado de sua namorada, ou na menina pelo qual seu namorado já foi interessado, por esquecerem, evitarem ou simplesmente por não conseguirem se olhar, os adolescentes se sentem inseguros em seus relacionamentos. Eles são capazes de passar horas em páginas do orkut ou blogs investigando indícios que comprovem o interesse do outro naquele “intruso”, que foi introduzido justamente por suas próprias fantasias. E são essas descobertas a tônica da conversa no próximo telefonema ou no próximo encontro do casal. Provocar o outro nesse sentido, é evitar falar do que realmente está incomodando na relação. Por não saberem discuti-la, usam de outros artifícios.
Adolescência, tempo de reconhecimento
São inúmeros os elementos que permeiam o desenvolvimento da adolescência e suas vivências. São os estímulos erotizados a que os adolescentes estão expostos, as lacunas de desinformação, os percalços da comunicação, o convívio intenso e contínuo com o grupo, a urgência incentivada pelo avanço tecnológico, além de outras questões importantes que também fazem parte dessa fase e preocupam o adolescente, como, por exemplo, a escolha profissional, eventuais perdas familiares. Somados a todos esses fatores ainda temos a ansiedade e a curiosidade característicos da adolescência. Frente a isso, sentindo-se desorganizados, despreparados e afoitos, os adolescentes se deparam com suas primeiras relações sexuais, que na maior parte das vezes acabam acontecendo precocemente, antes mesmo do que eles os próprios desejariam.
Zygmunt Bauman refletindo sobre relacionamentos amorosos, afirma que o fracasso no relacionamento é muito frequentemente o fracasso na comunicação. Para ele, há riscos à espera do comunicador imprevidente ou descuidado. Um deles é a tentativa de se agradar mutuamente, enquanto se continua fugindo do problema. Não há nada que promova mais uma relação confortável do que a louvação mútua. O outro seria o desejo de se mudar o outro, temos nossos critérios de como fazer as coisas e de como os outros deveriam ser, e aqui corre-se o risco do excesso, do entendimento extremado sobre aqueles que deveriam ser mudados.
Se todos os relacionamentos correm esses riscos, o que dizer de relacionamentos ainda pueris, entre adolescentes inseguros, que vivem o luto da perda da infância e não conseguem administrar bem a ansiedade que acompanha todas as descobertas.
A adolescência torna-se um período de reconhecimento, de descobertas e redescobertas, de experimentos, de vivências. Não há como ensiná-los a amar, mas há como acompanhá-los nesse novo caminho.
Os adolescentes estão dispostos a participar de atividades que discutam a sexualidade, eles sentem necessidade de amadurecer sua sexualidade, de ter informação a respeito dela. Eles precisam apenas que os adultos os ajudem a conter sua ansiedade e que lhes possibilitem a expressar o que sentem, já que há uma enorme dificuldade de falarem diretamente do assunto. E é aqui que pais e educadores passam a exercer um papel fundamental. Os pais, mesmo despidos do papel que exerciam na infância e ao contrário do prega a mídia, continuam sendo a principal referência para os adolescentes e os professores os grandes detentores do conhecimento. Assim, um trabalho dinâmico, interativo e conjunto com adolescentes permitirá que eles compartilhem suas dúvidas e aflições, promovendo a vivência da sexualidade mais tranqüila e segura.
Gabriela Azevedo é psicóloga, mestre pela USP e especialista em adolescência.
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